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18 de Abril de 2024

O Ponto de Encontro da Colaboração Premiada e da Improbidade Administrativa

há 7 anos

Dentre os temas que tem gerado o maior número de debates e contribuições acerca, certamente a colaboração premiada ocupa lugar de destaque na doutrina penal e na atual jurisprudência pátria, principalmente, a do Supremo Tribunal Federal.

É fato que a denominada “Operação Lava Jato” contribuiu significativamente na evolução deste instrumento de investigação criminal, haja vista que, tanto a doutrina, quanto a jurisprudência – especialmente aquela cuja relatoria preventa compete ao Min. Teori Zavascki – buscaram respostas e lições sobre diversas lacunas deixadas pelo legislador quando da edição da Lei 12.850/13.

O presente artigo, longe de partir de uma premissa contrária ou favorável sobre a colaboração premiada, pretende ir além, no sentido de reconhecer a permanência e a pertinência que o instituto tem no ordenamento jurídico brasileiro, para, a partir daí, contribuir com o aperfeiçoamento da interpretação da lei, no que atine a identificação de um ponto de encontro da colaboração premiada e a improbidade administrativa.

Nessa esteira, impõe-se registrar que a Lei 8.429/92, especificamente em seu artigo 17, § 1º, prevê expressamente a vedação a transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa, o que ia de encontro com diversos acordos de colaboração premiada firmados no âmbito penal.

Isso porque, diversos tipos penais trazem em seu núcleo objetivo, condutas que, inevitavelmente, caracterizam atos de improbidade administrativa, conforme preceituam as hipóteses exemplificativas dispostas nos incisos dos artigos , 10º e 11º da Lei 8.429/92, fazendo com que, a celebração de acordo de colaboração premiada no âmbito penal, trouxesse consigo a propositura de ações de improbidade administrativa em decorrência dos mesmos fatos.

Nesse contexto, a pessoa que se dispusesse a celebrar acordo de colaboração premiada, estaria ainda, sujeita a imposição das diversas e severas penalidades insertas no artigo 12 da Lei 8.429/92, que, como já restou assentado, “é uníssona a doutrina no sentido de que, quanto aos aspectos sancionatórios da lei de improbidade, impõe-se exegese idêntica a que se empreende com relação às figuras típicas penais. [1]

Diversos precedentes rechaçaram a possibilidade de aproveitamento dos benefícios da colaboração premiada em sede de improbidade administrativa, ante a expressa previsão de indisponibilidade do direito na Lei 8.429/92. Nesse sentido[2]:

(...) 8. Não se afigura juridicamente possível a extensão dos benefícios da delação premiada aos requeridos em ação de improbidade, uma vez que se trata de benefício penal e a legislação não prevê qualquer extensão dos benefícios à esfera cível, como fez o julgador. 9. De fato, diferentemente do que ocorre na ação civil pública regida pela Lei nº 7.347/85, em se tratando se ação civil por ato de improbidade administrativa, não há que cogitar na mitigação do princípio da indisponibilidade do interesse público, por aplicação, na espécie, do estabelecido no art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/92. 10. Sentença reformada em parte em relação aos réus Carlos Eduardo Levischi, Diva da Silva Bríglia e a Lize da Rocha Pereira, para afastar a aplicação do benefício da delação premiada, devendo ser extraída cópia integral dos autos a ser remetida à origem, a fim de que o magistrado profira nova sentença, como entender de direito no que concerne a esse réus, sem o aludido benefício. Parcial ressalva do entendimento da relatora que entendia aplicável o disposto no artigo 515, I, do CPC. 11. Sentença confirmada em relação aos réus Neudo Ribeiro Campos e Suzete de Macedo Oliveira. 12. Apelações dos réus desprovidas. 13. Apelações do Ministério Público Federal e da União parcialmente providas.”

A partir daí surgia a seguinte indagação de ordem prática: Caso um indivíduo firme acordo de colaboração premiada no âmbito penal, e, por conseguinte, devolva os proveitos do crime, estará ainda sujeito a imposição das penalidades de perda de valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano e pagamento de multa civil no âmbito da improbidade administrativa?

Referida hipótese traz consigo não só um claro descompasso entre o instituto da colaboração premiada e a improbidade administrativa, mas também a caracterização de bis in idem, na medida em que, a despeito da independência das instâncias, estaria o indivíduo sendo penalizado duas vezes em virtude dos mesmos fatos.

É em meio a esse conflito de normas que a Lei 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares e a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, surge como um ponto de encontro da colaboração premiada e a improbidade administrativa.

Isso porque, a referida Lei abandona o traço marcante da Lei de Improbidade Administrativa quanto a indisponibilidade do direito para dar espaço ao princípio da eficiência e da duração razoável do processo, revogando expressamente o contido no artigo 17, § 1º, da Lei 8.429/92 e, por conseguinte, possibilitando a conciliação em sede de improbidade administrativa.

“Art. 36. No caso de conflitos que envolvam controvérsia jurídica entre órgãos ou entidades de direito público que integram a administração pública federal, a Advocacia-Geral da União deverá realizar composição extrajudicial do conflito, observados os procedimentos previstos em ato do Advogado-Geral da União.

§ 4o Nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União, a conciliação de que trata o caput dependerá da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro Relator. ”

A nova disposição normativa possibilita que os acordos de colaboração premiada firmados entre o delegado de polícia ou Ministério Público e o colaborador contenham cláusula expressa atinente a extensão dos efeitos do acordo junto a autoridade responsável pela propositura da ação de improbidade administrativa que, caso já exista, dependerá da expressa anuência pelo juiz da causa, principalmente no que diz respeito a eventual imposição de pena de perda dos valores ilícitos, ressarcimento ao erário e multa civil. Destaque-se que o fato do texto legal prever a legitimidade da Advocacia Geral da União para tais acordos, não exclui a possibilidade de uma interpretação extensiva em favor dos legitimados para propositura da ação de improbidade, nos termos do artigo 17 da Lei 8.429/92.

A alteração legislativa traz maior segurança jurídica às partes envolvidas no acordo de colaboração ao passo que anteveem a futura e possível propositura de ação de improbidade administrativa em virtude dos fatos relatados nos termos de declarações, como também acompanha a nova sistemática processual trazida pelo Novo Código de Processo Civil, especialmente, o estímulo a conciliação e a mediação judicial, nos termos do seu artigo , § 3º.

Ainda nessa toada, é preciso pontuar que o Novo Código de Processo Civil dedicou uma seção inteira para tratar dos conciliadores e mediadores judiciais (artigo 165 a 175), prevendo, no âmbito dos Tribunais, a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos e, no âmbito dos entes federativos, câmaras de mediação e conciliação com atribuições relacionada à solução consensual no âmbito administrativo.

É nessa esteira que, na data de 14 de outubro de 2016, o Superior Tribunal de Justiça deu o primeiro passo no sentido de concretizar a evolução trazida pelo Novo Código de Processo Civil e publicou a emenda 23, que altera o regimento interno da Corte, prevendo a criação do Centro de Soluções Consensuais de Conflitos do Superior Tribunal de Justiça.

Com efeito, diante das mais recentes alterações normativas, não é equivocado apontar a composição como um ponto de encontro entre a colaboração premiada e improbidade administrativa, na medida em que garante maior segurança jurídica às partes envolvidas, bem como garante a não incidência de bis in idem na imposição das penalidades legalmente previstas.

Nesse ponto também, tampouco é equivocado afirmar a inconstitucionalidade do artigo 17, § 1º, da Lei 8.429/92, haja vista o evidente confronto com os princípios constitucionais da eficiência e da duração razoável do processo, bem como, em razão da afronta as bases principiológicas do Novo Código de Processo Civil.

Eventual propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o disposto na Lei 17, § 1º, da Lei 8.429/92, traria consigo a possibilidade de que os acordos de colaboração premiada já dispusessem expressamente os efeitos extensivos a ação de improbidade administrativa, bem como, faria o mesmo com os acordos de leniência, previstos na Lei 12.846/13.

Assim, reforçando o já asseverado no introito do presente artigo, não se pretende aqui partir de uma premissa favorável ou contrária ao instituto da colaboração premiada, mas sim, encarar a realidade de sua permanência no ordenamento jurídico brasileiro, para, a partir daí, contribuir com o seu aperfeiçoamento de forma a garantir a necessária segurança jurídica na sua aplicação.

ARTUR BARROS FREITAS OSTI, advogado, pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra e em Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa pela FESMP/MT.

PAULO VITOR REGINATO, bacharel de direito.


[1] REsp 721.190/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/12/2005, DJ 13/02/2006, p. 696

[2] TRF - 1ª Reg., Rel. Juiz Fed. Conv. Clemência Maria Almada Lima de Ângelo, Ap. Cível n.º 200442000001738, 4ª T., DJ de 2.06.2014.

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